O chamado desenvolvimento sustentável aceita tudo. Um emblema da fragilidade desse conceito está escancarado no sul da Bahia, onde a mata atlântica, em estado bruto ou em regeneração, ainda resiste. Com recursos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), da iniciativa privada e de seus cofres, o governo da Bahia projeta a instalação de um complexo logístico de 1,7 mil hectares entre Ilhéus e Itacaré. A construção do porto, da ferrovia (de 1.500 km) e do novo aeroporto está orçada em R$ 6,5 bilhões.
A obra não sai sem que pelo menos 680 hectares de mata atlântica desapareçam. Para o governo baiano, a obra é inevitável "para desenvolver a região sul da Bahia, que já foi uma das mais importantes do Brasil na época do auge do cacau", afirma Antônio Celso Pereira, superintendente de Comércio e Serviços da Secretaria de Comércio, Indústria e Mineração da Bahia. "Isso não significa que o governador Jaques Wagner vai rasgar as leis ambientais" (leia texto ao lado).
Do outro lado da linha do desenvolvimento sustentável, ambientalistas e a Associação de Turismo de Ilhéus estão contra o projeto. Os primeiros, por causa da mata atlântica. A segunda instituição não quer um porto em seu horizonte porque onde existem navios de carga chegando e saindo não há espaço para resorts e campos de golfe -outra "benfeitoria" que não convive bem com a mata. Os hoteleiros entraram na Justiça com uma ação contra o Estado, ainda não julgada.
A âncora do megaempreendimento --o porto, quando totalmente pronto, será o segundo maior da região Norte-Nordeste-- é a empresa Bahia Mineração, que é brasileira, mas tem capital indiano e também do CazaPAC quistão, da gigante ENRC. Segundo Amaury Pekelman, gerente de Comunicação e Desenvolvimento Sustentável da empresa, o novo porto não terá um impacto significativo sobre as praias do norte de Ilhéus. Ele explica que quem passar pela estrada que liga Ilhéus a Itacaré, por exemplo, "nem vai ver nada".
A área de estocagem do minério, de 80 hectares aproximadamente, ficará longe da estrada e da praia. Uma esteira de sete metros de altura atravessará a região preservada, a estrada e toda a praia para chegar ao litoral. Os navios, um de cada vez, afirma Pekelman, vão ficar a 2,5 quilômetros da costa. O minério será transportado por toda a região em pó. A capacidade para embarque --as primeiras cargas, pelo cronograma, devem sair no segundo semestre de 2011-- é de 70 mil toneladas por dia.
Não no meu quintal
"Esse projeto é um contra-senso", afirma José Adolfo de Almeida, professor da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), que na quarta-feira organizou um evento para discutir a obra. "Mesmo aqui na região existem outra áreas já degradadas que podem receber o porto", afirma Almeida, baseado em estudos feitos na própria instituição de ensino. Outros trabalhos da UESC mostram que a região diretamente afetada pelo projeto Porto Sul tem 40% de mata em estado avançado de regeneração.
Há mais de cinco anos, o empresário alemão Thilo Scheuermann, 48, decidiu investir em Ilhéus. Seu pequeno hotel, de 16 chalés, está parado. Segundo ele, um investimento de R$ 15 milhões está ameaçado. "Todos acreditamos no governo, que disse que o turismo seria prioritário na região." Outros cinco projetos turísticos, bem maiores do que o de Thilo, estariam engatilhados para o local.
O repórter EDUARDO GERAQUE viajou a convite da ONG Instituto Floresta Viva
EDUARDO GERAQUE
da Folha de S.Paulo, em Ilhéus (BA)
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